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Rosvita Madalena Grabner

Filha de imigrantes alemães, Rosvita nasceu em São Caetano do Sul e morou no ABC durante quase toda sua vida, com algumas passagens pela Alemanha. Com formação e pós-graduação em Turismo, sua vida profissional é marcada por oportunidades criadas por seu desempenho na língua alemã. Aposentada, tem um irmão e é tia de uma menina, Brigite. Viaja constantemente para visitar familiares na Alemanha e Argentina.  Imagem do Depoente
Nome:Rosvita Madalena Grabner
Nascimento:13/08/1952
Gênero:Feminino
Profissão:Professora e tradutora de alemão
Nacionalidade:Brasil
Naturalidade:São Paulo

Transcrição do Depoimento de Rosvita Madalena Grabner em 15/04/2015

Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS)

Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC e Laboratório de Hipermídias

Depoimento de Rosvita Madalena Grabner, 62 anos

São Caetano do Sul, 15 de abril de 2014

Pesquisadora: Mariana Lins Prado

Equipe técnica: Felipe Misquini e João Paulo Soares

Transcritora: Marialda de Jesus Almeida

Pergunta: A gente queria começar essa entrevista com você se apresentando, falando seu nome, seu local de nascimento, a data do seu nascimento.


Resposta: Então, meu nome é Rosvita Madalena Grabner, eu nasci em São Paulo, em 13 de agosto de 1952, meus pais, meu pai veio da Europa depois da guerra, em 1947, com a família toda, e minha mãe veio em 1951, sozinha, a família permaneceu lá. Eles são nascidos em uma região que já não existe mais, na Iugoslávia, porém não são iugoslavos, eles são austríacos, e uma parte da família da minha mãe é também da Ausácia, que hoje em dia é França, mas antigamente era pertencente à Alemanha. Eles moraram, a principio, desceram no Rio de Janeiro, o desembarque foi no Rio de Janeiro, em 1947, tiveram que ficar de quarentena na Ilha das Flores, como era hábito naquela época, e depois, forma trabalhar em uma fazenda de um cônsul brasileiro, que, na verdade, ficou um tempo na Alemanha, então ele já os considerou meio escravos, então os colocou como empregados da fazenda, e a finalidade não era aquela, era eles passarem a quarentena lá, o governo deu subsídios, pediu para esse senhor mantê-los lá, como tantas outras famílias, e depois seria vir para São Paulo, eles nem tinham pensado no Rio, eles tinham pensado em São Paulo porque eles tinham amigos em São Paulo, que estavam aqui. E, quando eles viram que o negócio foi se prolongando e esse senhor nunca foi dando chance de eles, na verdade, procurarem alguma coisa melhor, ou de ele se empenhar, eles acabaram dizendo “nós vamos embora”, fizeram contato com uma conhecida, que já era nascida aqui, mas morou um tempo lá, na Europa, e ela os trouxe para cá, conseguiu alojamento para eles em São Paulo, conseguiu trabalho, porque eles tinham, todos tinham uma mão de obra bem especializada, então foi uma coisa rápida, todos se empregaram, tanto minha tia, que veio com criança pequena, meu pai, dois irmãos dele, meu avô, e depois disso, tinham um conhecido em São Caetano, e acabaram vindo para cá para morar em uma casa maior, todos juntos, né, meu pai ainda não era casado com minha mãe.


Pergunta: Quando eles vêm da Europa, eles tinham já algum contrato de migração, eles vinham por conta própria, eles ...


Resposta: Olha, na verdade, essa parte da história eu não sei bem, eu sei que eles tinham três possibilidades de migração: o Canadá, só que no Canadá, o governo canadense exigia que fossem os homens só da família trabalhar durante um ano nas madeireira canadenses, e depois disso eles dariam um visto de migração para trazer a família, e acredito que essa viagem era paga por um fundo internacional que se criou depois da guerra, porque nenhum deles pagou passagem marítima, era tudo marítimo, para o Brasil, ou para Argentina, ou para o Canadá, eram os três países. Aí para o Canadá eles acabaram não indo porque minha avó não queria que a família acabasse sendo desmanchada mais uma vez, porque já tinham perdido pessoas na guerra, ficou com medo, fez um escândalo, e meu avô não foi, e com isso, os três filhos dela, entre eles o meu pai, também não foram. Ai sobrou Argentina e Brasil, e na Argentina os documentos não ficaram prontos até a partida do navio que saiu da Alemanha, acho que do porto de Bremen, no norte da Alemanha. Ai acabou ficando o Brasil, né, e para o Brasil eles vieram com esse trato entre um governo e outro, o Brasil estava aceitando imigrantes naquela época, eu não sei bem a fundo esse história, só pelo que eles contaram, nunca estudei ao certo isso. E, eles acabaram vindo para o Brasil, então veio meu avô, minha bisavó, avô, [5’] avó, meu pai, os dois irmãos dele, e um deles já ela casado e tinha dois filhos pequenos, e ai acabaram depois ficando um período curso em São Paulo, mas ai vieram morar em São Caetano, isso por volta de 1949, acredito.


Pergunta: Qual que era o contato deles em São Caetano? Como que aconteceu...


Resposta: Eles tinham conhecidos, uns que conheceram no navio, né, eles se tornaram muito amigos, muita gente fez amizade, uns acabaram até se casando, com gente que conheceu no navio, e outros já tinham pessoas que moravam no Brasil e teve muita gente que veio antes, por exemplo, entre a primeira e a segunda guerra que veio para o Brasil, tem gente que veio antes da primeira guerra para o Brasil, e ai, tinham alguma forma de contato, não sei te dizer ao certo como, eu sei que eles eram conhecidos que eles tinham, e que os ajudaram depois a inclusive vir aqui para São Caetano, que já residiam aqui, inclusive aqui na (Rua) Maceió. Aqui é um bairro em que tinham bastante russos, ucranianos, tanto que tem duas igrejas ortodoxas pequenas, e alemães, austríacos, suíços, e servo-croatas, também, alguns que eram os croatas mesmo, originários da tal da Iugoslávia, que falava iugoslavo.


Pergunta: Então eles saem do porto de Dresden, na Alemanha...


Resposta: Não... Dresden não, Bremen... Porque Dresden não tem porto... Bremen, perto de Hamburgo... no norte da Alemanha. Levou 13 dias a viagem de navio...

Pergunta: Mas até então eles residiam naquela região?

Resposta: Não. Eles foram transportados para lá. Tudo isso teve uma história longa. Eles nasceram nessa, por exemplo, meu pai nasceu em uma região da Bósnia-Herzegovina, era um dos estados da Iugoslávia, depois de 1914. Então ele nasceu em 1917, numa região chamada Bósnia-Herzegovina, e ele estudou em escola alemã, mas teve que aprender a falar o servo-croata, que era a língua falada depois da primeira guerra mundial naquele país. Meu avô trabalhava como administrador de uma mina de carvão, minha avó era apenas do lar. Ele e seus dois irmãos , três, né, então estudaram lá, a língua que se estudava era o alemão, porque eram colônias alemãs, mas se aprendia o idioma também nativo, que era o servo-croata, e ele teve que aprender francês, porque o francês era uma língua obrigatória, era uma segunda língua obrigatória depois do alemão e era a língua nobre, na Alemanha, na Áustria, na Suíça, o inglês só entrou porque eles foram perdedores de guerra também, depois toda essa região, ai você tem que falar a língua do dominador, né, e ai o francês caiu fora e ficou alemão e inglês. Então eles saíram de lá, dessa região, e eles foram, e começaram os rumores da segunda guerra mundial, meu pai estava estudando direito, os irmãos...


Pergunta: Ele nasceu em que ano mesmo?


Resposta: 1917. E ai, quando foi por volta de trinta e pouco (1930), datas específicas eu teria que procurar, na verdade não recordo, não me recordo bem, porque é muita informação, a gente, tem uma época que não interessa, quando interessa ai a pessoa não está mais viva, você fala “e agora, tenho que perguntar isso ou aquilo para ela”, não dá, né. Começou o movimento, que Hitler começou, aos poucos, a chegar ao poder, mas isso foi um trabalho, porque, na verdade, assim, eu tenho até um certo receio, porque eu vou contar uma parte da história que os brasileiros conhecem por um outro lado, eles conhecem pelo lado do vencedor, que é o americano, que conta a história do Hitler, do cara demoníaco, dos judeus que perderam tudo, mas não tem o revés dessa história, do que o Hitler fez antes de ter subido o poder à cabeça ou de ele ter sido usado também, que ele também foi manipulado, ele não era também , não tinha o poder para ser tão demoníaco sozinho, né, mas teve uma parte muito incrível [10’] que minha mãe, não posso dizer que ela fosse a favor dele, porque eles nem sabiam de grande parte do que acontecia no auge já da coisa. Ele fez uma unificação da juventude, que minha mãe participou da juventude de Hitler, que era o que: focado na educação, no esporte, principalmente no esporte, na organização, no planejamento, e no planejamento da carreira em termos de emprego, do que você, profissão, do que você queria seguir. E o fundamento era, na verdade, quase que um tripé, assim, educação, esporte e planejamento, planejamento no sentido de muita poupança, que a poupança é uma forma de o indivíduo saber se organizar par ao futuro, a educação, que é importante, porque quanto mais você tem a pessoa, digamos, “analfabeta”, mais fácil ela se torna para manipular, e o esporte que é uma forma do indivíduo estar cuidando da saúde, porque ele trabalhava muito com prevenção, como se trabalha até hoje na Alemanha, na Áustria e na Suíça, que eu posso dizer que eu estou com mais frequência, se trabalha com prevenção de doença, então as campanhas lá são incríveis, os idosos, você vê, qualquer idoso pode ficar doente, mas lá, você começa a trabalhar desde os 40 anos com a pessoa já para quando chegar nos 80 e ter uma série de doenças, que aqui, por exemplo, diabetes, colesterol, stress, então eles vão fazendo o que? Também o dinheiro é direcionado para as coisas certas, então você trabalha com a prevenção, e o esporte era uma forma de manter mente sã e corpo são. Então ela disse que grande parte da vida, grande parte da força que ela teve, para enfrentar a guerra, o pós-guerra, e vir para um país totalmente diferente daquele de origem dela, né, foi essa forte consciência, né, de que ela tinha força para aguentar aquilo, de que ela tinha organização para planejar a vida, e que ela tinha educação que poderia ajudá-la numa série de coisas, por exemplo, então, ela aprendeu entre outras coisas, minha mãe fez formação tipo escola SENAI, porque ela queria seguir carreira e aí entrou a guerra e ela parou, então ela fez a parte toda de corte, costura, modelagem, porque ela queria, na verdade, fazer alta costura, ela dava para isso. Meu pai fez direito, dois anos de direito, quando estourou a guerra. Então chegou aqui, isso ajudou, porque ela pôde trabalhar com costura, como costureira, meu pai usando o francês e o alemão, arrumou um emprego, aprendeu rapidamente o português, foi trabalhar no comércio, então, teve essa parte que foi extremamente, eu penso que foi um fundamento, fora o que ela recebeu em casa, baseou mesmo a pessoa para uma vida que acho que no fundo eles nem imaginavam que iam passar pelas dificuldades que passaram, e, hoje em dia olhando para trás, eu acho que passaram , dá para tirar o chapéu, porque gente com uma dificuldade deste tamanho não consegue absolutamente nada.


Pergunta: A gente falou um pouquinho da trajetória do seu pai _________, eu queria saber também um pouquinho da sua mãe, o ano que ela nasceu, a cidade, os percursos que ela percorreu na Europa...


Resposta: Só para terminar, aí, por que que eles saíram de Bremen: porque ai, conforme o exército, não, é assim, eu sou voluntário, eu quero ir, alguns foram, mas quem, por exemplo, meu pai, estava estudando, não tinha o mínimo interesse para ir para guerra né, os dois irmãos dele, eram menores ainda. Não, simplesmente vinha, tipo o IBGE, daquela época, e falava “Ah, nessa casa residem quantas pessoas? Ah pai e mãe. Filhos? Quantos filhos têm? Qual a idade? Qual o sexo? Ah qual a altura? Ah tá, vamos passar um dia para conhecê-los... Ah esse daqui: loiro, alto, mais de um metro e oitenta”, meu tio mais novo, perfil do ariano, que é o que ele quer para o exército de SS, esse, você não falava “a”, você, na verdade, foi o escolhido e você tinha que ir, então, a pessoa falava “ah foi lá e matou, matou judeu”, não... nem sabia, nem, estava fazendo outra coisa na vida, né, e passou a banda e recolheu todos eles para outra coisa, né. Então as meninas, por exemplo, você tem que ir lá e entrar , você vai se catalogar para a juventude de Hitler, e vão praticar esporte, vamos ver para que esporte você dá. Minha mãe foi campeã de arremesso de [15’],de salto em distância com vara, ela participou da Olimpíada de 1936, em Berlim, é, ela e a turma toda, e tiraram uma classificação super boa, arremesso de disco, arremesso de dardo, e então eles tinham realmente todo um preparo para isso,né, e ai ela foi estudar depois um alemão melhor em um colégio interno na Alemanha, que ela saiu da Iugoslávia e foi para a Alemanha, isso tudo no período entre a primeira e a segunda guerra.


Pergunta: Esse recrutamento que fizeram com o seu tio, por exemplo, ele morava nessa região da Iugoslávia e foi mandado para a Alemanha?


Resposta: Eles foram mandados todos, ai, então, Hitler já tinha começado as conquistas dele, e ele foi entrando em um território que é a Polônia, hoje em dia, então ele estava precisando de gente para reforçar sempre, é assim, o conquistador quer reforçar as fronteiras, ai ele disse: vocês que moram aqui na Iugoslávia, como o polonês é uma língua, não igual, mas você entende bem, se você fala servo-croata, você entende bem polonês, você entende um pouco de russo, um pouco de ucraniano, vocês que têm mais entendimento, eu dou para vocês a cidadania alemã em troca de vocês irem para lá para reforçar as fronteiras, até o final da guerra, depois disso, a gente remaneja tudo de novo e vê para onde vocês querem ir, se vocês querem voltar ou não querem voltar, no caso de ganhar a guerra, claro. E ai, nessas, a parte do meu pai saiu da região da antiga Iugoslávia, foi morar em uma região fronteira, já dentro da Polônia, mas fronteira com a Alemanha, e quando terminou a guerra, de lá, eles acabaram indo para a Áustria, da Áustria eles foram para Bremen para tomar o navio para o Brasil. Foi uma via-sacra bem grande. E o lado da minha mãe, a família dela uma parte veio de próximo de Viena, eram vinicultores, e outra parte veio da Ausácia e também eram vinicultores, também fugidos em mil setecentos e pouco de Napoleão, das guerras napoleônicas, porque Napoleão chegou até a porta de Viena, né, e da peste negra, que a peste negra dizimava, assim, uma aldeia atrás da outra. Então, eles passavam o rio Danúbio bem embaixo da aldeia onde ficavam os bisavós da minha mãe, meus tataravós, e eles resolveram, um deles resolveu tomar o navio que estava descendo o rio Danúbio e ver se tinha uma coisa melhor lá para baixo, para levar depois o resto da família, e desceu para essa região que se tornaria a Iugoslávia depois. É uma cidade bem do lado de Belgrado, capital da antiga Iugoslávia, e hoje é a capital da Sérvia, e acabaram se assentando lá, já acharam pessoas que estavam antes deles lá, eu tenho, na nossa árvore genealógica, do lado da minha mãe foi o lado que a gente mais conseguiu ir para trás foi mil setecentos e oitenta e pouco, então a gente sabe o nome de todos, quem casou com quem, e tal e tal, por isso que a gente sabe a história, e ai, ele voltou, ai ele ficou sabendo das terras que a imperatriz Maria Terezia estava dando, no império austro-húngaro e ela dava subsídios, e ela precisava de gente para plantar frutas, vinicultura, trigo, tudo bastante essencial para o dia a dia. Ai ele foi, trouxe o resto da família, uma parte dos amigos acabou se casando entre eles, e eles acabaram se assentando lá e fizeram, tiveram grandes propriedades lá, e, principalmente, na área de vinicultura, né, e frutas, muitas frutas, que se vendia direto, se colhia e já se vendia na feira de manhã. E ficaram lá até a segunda guerra mundial.


Pergunta: Esse é o seu bisavô materno?


Resposta. Dos maternos, que ficou perto de Belgrado.


Pergunta: Lá havia também escolas alemãs...


Resposta: Eram colônias alemãs completas. Tanto que não se falava outro idioma a não ser o obrigado na escola, se falava o alemão, eles falavam um dialeto que é o soavo, ______________, e tinham todas as tradições como tinham nas aldeias de origem, tudo. A comida, esses livrinhos, por exemplo, minha mãe assina e recebe uma vez por ano de lá, não recebe, recebe, na verdade, da Áustria, de uma cidade Irmã, a cidade Irmã é uma cidade na Áustria, que se chama _______________, e então ela recebe e sempre vem coisas atualizadas [20’] sobre a história que foi perdida, receitas que foram perdidas, conhecidos que foram pedidos e se encontram por intermédio disso, então seria um Facebook do pessoal que se perdeu depois da segunda guerra mundial, e foi incrível assim, ela achou amigos, amigos a acharam, e conseguiu resgatar receitas e tradições, foi muito legal.


Pergunta: Isso é uma iniciativa do governo, é uma espécie de ______________ ...


Resposta: Isso é uma iniciativa dos próprios perseguidos da guerra, que acabaram fugindo da região da Iugoslávia, e acabaram uma parte indo para os Estados Unidos, outra parte para o Canadá, Brasil, Argentina, e os que ficaram na Europa, se concentraram na Áustria, em uma cidade chamada ______________, e esses foram chamando os outros, partiu de iniciativas particulares, de pessoas que tinham dinheiro e resolveram entrar para conseguir montar um tipo de um livrinho desse, um contatando o outro né, e acabaram chegando ao ponto de fazer isso e depois, inclusive, hoje em dia, eles fazem viagens anuais para esses locais de nascimento porque continuam detonados, ficaram cidades mortas, tipo, depois da segunda guerra mundial, não teve incentivo nenhum assim, do governo, porque ai entrou Tito com o comunismo, e o comunismo acabou com tudo, ai quando Tito morreu, o general Tito, ai houve uma série de revoluções, uma hora foi em Kossovo, outra hora foi em __________________, e acabou esfacelando a Iugoslávia em diversos países menores, países que são hoje em dia, tem a Dalmácia, tem a Eslovênia, e, assim, e esse pessoal acabou retornando sempre para essa cidade de ________________, próximo de Belgrado, e conseguiu levantar tudo isso e faz um informativo anual que ele manda para as pessoas que estão pelo mundo inteiro que se registraram, que eles conseguiram achar. E os que moram lá seguem as tradições, quer dizer, fazem uma vez por ano o dia da comida tal, o dia da festa tal, e os trajes típicos tal, os contos para as crianças, e danças folclóricas, então uma coisa assim, bastante forte, porque resistiu a vários séculos.


Pergunta: Você lembra de alguma dessas tradições do vilarejo da sua mãe que ela costumava contar?


Resposta: Ah eles tem, por exemplo, essas datas festivas como todo mundo, por exemplo a Páscoa, agora, de se pintar ovos de páscoa, ovos de galinha que você podia tanto ter ovo cozido né, depois você pintava ele, colorindo com casca de cebola, fervia ele numa água quente e casca de cebola vermelha, ele ficava vermelho, você tingia ele com algum tingimento natural, né, ou você podia esvaziar o ovo fazendo um furo em cima e outro fura embaixo, soprava, ai sai a gema e a clara, ai você lava bem ele com água com vinagre, né, faz um buraquinho maior na parte, em uma das extremidades, deixa ele secar, e ai sai todo o cheiro do ovo, dá a impressão que não, mas sai, e depois, dentro, você podia preencher com chocolate, poderia preencher com amendoim _______ ,que é amendoim com açúcar, você esquenta ai o açúcar gruda no amendoim, né, e lá eles usavam isso com outras coisas, com nozes, com avelãs, amendoim é daqui, não é de lá, né. Então se pintava, então se tinha, assim, um mês antes você ficava juntando os ovos, e depois sentava com as crianças, né, eu fiz ontem com minha sobrinha isso, sentamos e pintamos com guache os ovos, depois você colocava um papelzinho colorido em cima, assim de crepom para tapar o buraquinho, e esconder os ovos, por exemplo, no Natal ai você tem a árvore de natal, que era tradicional, que era natural, o pinheiro natural, com velas mesmo, naturais, e ai você enfeitava com outras coisas, não essa parafernália daqui, eram frutas mais, porque a árvore de natal, segundo rege o conto que minha mãe sabia, ela foi usada, por que que a gente pendura coisas nela? Porque o pessoal que ia trabalhar na floresta, no inverno, você tem que cuidar dos animais selvagens, né, porque lá existe a tradição do caçador poder caçar, mas ele tem que ser responsável por aquela área para cuidar dos animais no inverno, então ele tem que levar sal, por exemplo, que é uma coisa que falta muito para o organismo dos bichos, falta mineral, então ele leva sal grosso e ele leva comida, algum tipo de capim seco, e tal, e eles tinham que [25’] pendurar as roupas para não por na neve e a marmitinha deles em algum lugar e acharam um pinheiro e foram pondo nos pinheiros, e com o tempo, isso daí, a tradição rege que os pinheiros eram levados para dentro de casa e começaram a ser enfeitados com maçãs, com tangerinas, que a tangerina vinha de algum país mais ibérico, né, e no natal, minha mãe conta que o pai dela comprava, assim, um grande presente era uma caixa de tangerinas, ai você amarrada, elas vinham com um cabinho, e você amarrava e pendurava na árvore, pendurava nozes, pendurava chocolate, mas com papel, e bombons, então as árvores eram desse jeito, né. E ai tinha toda uma comida especial, que era pato, maçãs assadas, coisa assim. E isso ai é uma coisa que a gente seguiu bastante e ainda dentro do possível segue, né, faz pão natural, em casa, faz geleia em casa, porque você tem que imaginar que era uma vida campestre, né, então você tinha tudo da sua horta e você fazia geleia, alemão adora comer no café da manhã, os austríacos, os suíços, o que? Café com leite, pão com manteiga, queijos, porque o queijo é o forte lá, é criação de pequeno porte, por causa que as terras são, a porção de terra que você tem, não são os milhões de alqueires que tem aqui, as terras, a reforma agrária, para você imaginar, na Áustria foi em 1880, a reforma agrária, desde lá, quem tem latifúndio tem a sua terra já demarcada e são terras menores para justamente criação pequena, então é o que? Ovelha, porcos, cabritos, galinhas gansos, então é isso que entra muito, inclusive, na comida deles, por isso que a carne bovina é tão cara e eles não têm esse hábito de tanta carne bovina, só quando vêm para o Brasil, eles adoram churrasco, né, então eles acreditam que é essa fartura toda, então a comida, no Natal, tinha a ver com isso, coelho, né, com essas coisas que eles eram acostumados lá. Eles tiveram dificuldade de até achar aqui no começo, porque, a menos que alguém tivesse uma criaçãozinha, assim, você tinha que ter a sua própria em casa. Então a comida era bem natural, né, então a minha mãe seguiu bastante isso, pães em casa eram integrais, geleia, toda parte de pepino em conserva, repolho em conserva, isso até pouco tempo ainda, isso, chamado chucrute aqui, e não come o que se acha que eles comem, joelho de porco, né, e ________ todo dia, não, não é isso, né, se come batata, porque não existe arroz e feijão, né, o arroz, na verdade, é uma coisa bem esporádica, né, feijão é um feijão branco que se come como salada e se come muita comida a base de batata e de derivados de aveia, de semolina, que é um derivado do trigo, e se fazem, por exemplo, uns tipos de nhoques enormes que são feitos de mil maneiras diferentes, uma delas é um pão amanhecido que você põe na água, amanhece, depois você seca, tira bem a água, você mexe com farinha e você faz um nhocão enorme, que é cozido na água, e daí você faz uns guisados todos de carne de porco, de carne, sei lá, de carneiro, com molho, e você come aquilo como se fosse uma comida italiana, uma porpeta com uma carne moída com molho, e tal e tal, se come muitos legumes, né, e outras comidas que, panqueca, muita coisa assim, que aqui seria quase que como uma sobremesa, lá eles comem, por exemplo, à noite comem uma sopa e depois comem um mingau quente de aveia com canela, com maçã assada, são diferentes, o cardápio é diferente, hoje em dia, com toda a história da globalização e com a perda mesmo da guerra, foram introduzidos os hábitos, claro, mas já globalizados naquela época, porque ai Alemanha ficou sob o domínio uma parte de franceses, uma parte de ingleses, uma parte de americanos, até pouco tempo, ainda, acho que ainda tem uma base, se eu não me engano, americana e uma francesa, ainda hoje, então teve que circular mais comida, diferente, foram se mesclando, as pessoas foram se casando com pessoas de outras etnias e origens, e isso acabou depois também mudando os hábitos, [30’] mas ficou assim uma linha ___________, aqui no Brasil você pode introduzir o que você quiser, mas ainda o arroz e feijão, uma batatinha e um bifinho, uma saladinha, isso vai ficar, então lá também, a batata ficou, a carne assada, muita carne de porco, ele é mais barato e ele tem maior volume de saída, se procuram muito a carne de porco, para fazer carne moída eles usam também a carne de porco, né, quando você faz uma macarronada, né, eles gostam muito da comida italiana, porque a Itália foi um dos países, quando eles começaram a ter dinheiro de novo, os dez anos depois da guerra, que eles trabalharam muito para reconstruir aquilo, nos anos 1960 surgiu o Fusca, o Fusca era para ser um Folksvagem, E o que é um Folksvagem? A marca do Fusca: Folks é povo, vagem é carro, então carro do povo, então era para ser um carro, de uma família com dois filhos, que pudesse por uma malinha de viagem no fim de semana, e que ele pudesse ter um preço popular, não ter muito problema de mecânica e pudesse te levar para mais longe e ai eles começaram a explorar novos horizontes, um pouco, assim, depois de trabalhar muito e tal, e um dos lugares que eles foram foi a Itália, então a comida italiana é muito querida e muito aceita lá, né, na Alemanha, na Áustria, as macarronadas, as pizzas, tal, e, é assim.


Pergunta: E como que foi o deslocamento da sua mãe que estava ali, naquela região da antiga Iugoslávia?


Resposta: Eles, na verdade, não foram muito deslocados, a família da minha mãe foi fuzilada, 17 pessoas, inclusive a minha avó, né, pelos comunistas, pelos russos que entraram lá, para dominar aquela área, e a minha mãe e a irmã foram mandadas antes dessa invasão que não foi avisada, para Viena, na casa de parentes, de tios que moravam lá, e minha mãe tinha uma irmã e um irmão. O irmão estava no exército de Hitler, tinha sido convocado, e ele era parte que fazia o courrier, courrier era a parte do correio, né, das documentações, então ele andava muito, ele não ficou no fronte, nem nada, então quando ele soube que os russos começaram a invadir, e ai eu nem quero entrar no mérito da questão, eu também não sei ao certo, mas eles começaram a chegar próximo de Viena, ele deserto, e pegou a minha mãe e minha tia, e entre bombardeio, com bomba caindo na cabeça, fugiram para essa cidade de _____________ com um caminhão que ele montou, com umas rodas que ele achou no meio do caminho, de gente que já havia sido morta, e tudo mais, montaram um caminhão sem breque, puseram a minha mãe, minha tia, ele tinha tido um filho pequeno, que a mulher dele tinha falecido, e um amigo e fugiram de Viena, se você olhar no mapa, de Viena para uma cidade chamada Salzburgo, cidade que nasceu Mozart, eles desceram essa linha toda embaixo de bombardeio, de um lado os russos e do outro lado americano, eles não sabiam para qual fronte fugir, qual era o menos pior, e o menos pior, na verdade, acabou sendo o americano, e eles se dirigiram para Salzburgo que era domínio americano e lá depois eles ficaram em um refúgio, nessas tendas para refugiado, mas lá já é inverno, chega a fazer até 25 graus abaixo de zero, essa criança pequena andou nesse descampado com bomba caindo por todos os lados, né, minha mãe e minha tia tiveram problema sério de auditivo por causa de barulho, de bomba mesmo, perderam a audição, então foi assim, essa parte que, por exemplo,que eu falo, a parte dos alemães e dos austríacos, que fugiram de regiões dominadas, pouca gente conta, né, mas se contam muito dos judeus, né, porque dá mais ibope, mas os judeus tiveram ajuda que os outros não tiveram na mesma proporção. Minha mãe não teve reconhecida a cidadania, minha mãe veio expatriada para o Brasil, e o que é o expatriado? É um ET, né. Porque não é possível, você nasceu em algum lugar, você não é um ET, né, ai, isso foi a dor da vida dela, né, e, fora toda morte, e não conseguir saber/localizar onde foi parar os parentes todos, não recebeu nenhuma indenização do governo, porque os judeus recebem até hoje, mensalmente, uma indenização do governo [35’], fora as indenizações grandes que eles receberam. Eles não receberam nada, nem sobre terras, que, na verdade, foram confiscadas, nem sobre a construção, digamos, nem sobre mobiliário, nem sobre dinheiro no banco, o dinheiro que eles tinham no banco, os papeis, né, porque o dinheiro acabou sendo transformado em papel que depois foi uma moeda, que você podia, diziam, né, você pode com esse papel, ele vale 100 euros, hoje em dia, naquela época era marco, você vai lá no banco tal e eles vão te dar em dinheiro, porque isso aqui legitima que você tinha dinheiro aqui no banco, que nós confiscamos mas é seu lá fora, não era nada, perderam tudo, e não receberam nunca nada de volta, né, então essa parte é uma parte bastante injusta, eu acho, com os imigrantes que vieram fugidos dessas regiões todas que não tiveram nenhum apoio do governo de lá, a menos que eles tivessem ficado até, teve um dia que foi chamado o dia D, que era o dia que quem estivesse na Alemanha, na Áustria naquela data receberia de volta sua cidadania, mas isso foi, eu acho, que um ou dois anos depois da guerra, e ninguém aguentou ficar lá, também, com toda miséria, comida teve até o fim, era tão bem organizado, que teve até o fim, teve comida, minha mãe falou que até o último dia teve comida, mas tudo você recebia um tipo de uns tickets, alimentação você tinha direito, quem fumava um maço de cigarro por semana, mas ele tinha um maço de cigarro por semana, famílias que não tivesse crianças recebia, sei lá, quantos vocês são? Dois? Um pãozinho para cada um por dia. Tem criança? Quantas crianças têm? Ai você recebe uma bengala. Batata, tanto, ou então, as pessoas iam muito, fugiram, ficaram muito no campo, no campo você sempre achava gente que ainda não tinha sido afetada diretamente pela guerra que tinha comida guardada, estocada, o que? Batata, cenoura, tudo que é tubérculo, né, por isso que isso entra muito na comida deles, porque foi uma coisa que eles comeram muito e se tornou um hábito, né, então lá você guardava no inverno essas comidas que não estragavam em areia, tinha uma areia própria que você guarda cenouras, batatas, e outras raízes, né, e frutas que não estragavam também, maçã, a maçã é fruta símbolo da Europa, parte da Alemanha, Áustria, tal, porque uma fruta que se conserva muito tempo, e lá como era frio, já era uma geladeira natural, né, e sem aquecimento durante a guerra, e sem aquecimento a temperatura era baixa, né, então aquilo se manteve, então, na verdade, a irmã da minha mãe acabou ficando em Salzburgo, na Áustria, o irmão da minha mãe veio embora pelo porto de Gênova para a Argentina, com a família, ele já tinha família, e minha mãe veio, cinco anos depois do meu pai, em 1951, ela veio para cá, que eles tinham casado por procuração, ai ela veio para o Brasil porque ela tinha conhecido meu pai lá pelo porto de Gênova também.


Pergunta: Então eles se conhecem lá?


Resposta: Se conheceram lá, nessas reuniões que tiveram no fim da guerra para se definirem os grupos: quem que iria ir para que país, que cota cada país ia receber de imigrantes, porque eles ficaram com medo de estourar uma outra guerra, e os que ficaram apostaram que não, não vai acontecer uma outra guerra, né, e se deram melhor, porque os imigrantes tiveram uma vida muito dura aqui. Não digo nem dos meus pais tanto, pior foram aqueles que foram iludidos e foram para aquelas colônias que hoje em dia são Guarapuava, por exemplo, no Paraná, que foram dado como maravilha, Treze Tílias, em Santa Catarina, chegaram lá crentes que tinha uma cidade pelo menos planejada, assim, de ruas, e tal, pegaram a maior mata fechada, tiveram que, na verdade, começar cortando árvores, para abrir caminho no meio da mata, para fazer um galpão, para a família poder ficar, então teve muito engano também. Essas pessoas foram bastante ludibriadas, mas com força, coragem, e garra, e sem bolsa-família, e sem bolsa nada, se levantaram sozinhos, mas o que ajudou? Eles terem vindo com uma profissão. Então, Treze Tílias, eu fiquei sabendo a pouco, eles vieram, foi uma das poucas cidades que o governo resolveu mandar um embaixador brasileiro para lá para ele ver quem queria vir, porque é uma cidade tirolesa, e o Tirol fica entre a Áustria e o norte da Itália, Tirol era Austríaco e foi dado pelo Hitler para o Mussolini de presente, amigos, né, [40’] e o pessoal que mora no norte da Itália, que se chama tirol italiano, eles falam austríaco e eles querem voltar a ser da Áustria, não querem pertencer à Itália e é uma região que tem hábitos austríacos, é interessante, é muito bonito, e eles são os fundadores, entre aspas, esses italianos do norte com o pessoal da Áustria, da cidade de _______, são os fundadores de Treze Tílias, uma história interessante também, e como foi a de Guarapuava, que foi uma das maiores colônias suavas, hoje em dia eu acho que são cinco grandes colônias, eu, infelizmente, ainda não conheço, pretendo ir para lá, lá se conservou bastante da tradição dessa região de onde vem a minha mãe, da antiga Iugoslávia.


Pergunta: E o que aconteceu que sua mãe acabou demorando tanto para vir também? Já tinha conhecido seu pai...


Resposta: Ele não quis porque ele queria se estabelecer. O que eles pensavam, a primeira coisa? Ter um trabalho para poder sobreviver. Segundo, ter um teto, ter uma casa, que eles tinham perdido. Então, o trabalho todo nesse período foi para poder comer, vestir o necessário, e juntar dinheiro para comprar um terreno para fazer uma casa. Então nesse período, foi o período que ele trabalhou para poder depois ter o dinheiro para poder comprar uma casa pequena, que fosse, construir uma casa e comprar um terreno, porque eles não queriam, eles não tinham esse hábito de depender de aluguel, né, então foi o tempo que ele demorou mais ou menos para poder juntar um dinheiro para que ela viesse com pouquinho mais de conforto, do que quando ele veio, né.

Pergunta: Então ele se casou por procuração e quando ela vem acontece alguma cerimônia religiosa?


Resposta: Sim. Eles casaram aqui. Eu tenho depois até um material para isso. Casaram em São Caetano, né, e fizeram uma festa, depois moraram, eu nasci ainda aqui mesmo na rua Maceió, do outro lado, em um desses sobrados que tem do outro lado, e com quatro anos, eles quando eu tinha quatro anos, na verdade isso são cinco ou seis anos que minha mãe veio para o Brasil, eles compraram um terreno no bairro campestre, que estava sendo loteado, o bairro campestre foi uma grande fazenda de café da família _______, de São Paulo, e nos anos 1920, essa família decidiu se desfazer dessa fazenda de café, tinha até um trenzinho que ligava o bairro campestre a São Bernardo, para escoar a produção de café. E ai eles compraram os terrenos. Os terrenos eram de 2.000/1.500 metros quadrados, ai ele conseguiu comprar um terreno de 500 metros quadrados, e já existia uma casa pequena, ai eles mudaram para lá, e começaram a reformar essa casa aos poucos, primeiro pagaram o terreno e a casa, e depois foram reformando a casa. Eu morei lá até quatro anos atrás, e hoje em dia nessa casa mora o meu irmão, eu tenho um irmão, mora o meu irmão mais novo, e então lá a gente teve, a família toda acabou morando na mesma rua do meu pai, os dois irmãos, a avó, o avô, amigos de infância que depois acabaram vindo também, moravam naquela rua, então ficou uma colônia deles de novo, né, então os costumes foram perpetuando também porque eles também sempre tinham as festas de fim de ano, Natal, Páscoa, Ano Novo, e então tocava as músicas deles, falava a língua deles, e se formou depois, aos poucos, a comunidade de língua alemã em Santo André, a católica e se formou a luterana, agora eu não sei a idade, a católica foi no fim dos anos 1950 começo dos anos 1960, da qual meus pais participaram ativamente, para que eles tivessem, na verdade, um lugar onde eles pudessem de novo encontrar amigos da pátria e cantar as canções, dançar as danças, e trocar receitas, e poderem, eles tinham muita saudade, tem que imaginar que o pessoal tinha muita saudade, né, e então eles participaram bastante da fundação da Sociedade São Miguel, que fica na vila Bastos, em Santo André, hoje em dia está extinta quase, porque os fundadores quase todos faleceram, entre eles o Seu Antonio ________, que era um dos seus entrevistados, né, os filhos poderiam até contribuir para você com alguma informação, né, e outras pessoas que depois até acabaram se agregando. [45’]

Pergunta: Essa São Miguel é a luterana?


Resposta: É a católica. A luterana acho que chama Igreja Luterana, eu não sei se tem um nome específico. Eu não sei, eu preciso ver, eu tenho lá em cima, não sei. Mas elas são mais ou menos da mesma época. Acho que dos anos 1960. Ai o governo alemão até enviou uma contribuição, uma parte dada, eu não sei se pela prefeitura, é um terreno grande, e ai acabou, e os próprios associados contribuíram com dinheiro e com trabalho braçal mesmo, ir lá carregar tijolo, quem entendia de elétrica ia lá e fazia a parte elétrica, quem entendia de encanamento fazia a parte de encanamento, então, sempre teve muito trabalho de mutirão, assim, o imigrante pode ter, estou falando da parte que eu conheço, pode ter, deslanchou, de conseguir se estabelecer até financeiramente/economicamente porque teve muita ajuda de mutirão, um ajudava muito o outro, inclusive emprestando dinheiro, sem agiotagem, emprestando trabalho mesmo, “olha, eu vou te ajudar, vou te ajudar a fazer o reboco da sua casa, vou te ajudar a por o telhado”, então, existia esse trabalho e eu acho que foi um diferenciador. Nessas colônias menores, muito mais, né, do que até aqui na cidade grande, então isso eu acho que é uma coisa que ainda solidificou a amizade e os ajudou para conseguirem se erguer de novo, depois de terem perdido tudo.


Pergunta: E você acha que esse vínculo que se formou entre essas pessoas, desses imigrantes. Eles provavelmente tinham algumas nacionalidades diferentes como seus próprios pais. Era a língua alemã que ______________.


Resposta: A língua alemã era o ela. Nas suas variações. Desde os dialetos do norte da Alemanha até o sul, porque as pessoas eram dos mais distintos lugares, como os austríacos que falam um alemão que é alemão mas tem o seu dialeto, né, como os tiroleses que eram do norte da Itália falam seu dialeto, os suíços também já falam o alemão com um certo dialeto, mas o alemão era a língua que unia a todos, mais do que qualquer outra coisa, era a língua mesmo que unia. E nas dificuldades que, ah, preciso ir na prefeitura pedir uma instalação de luz, por exemplo, uma instalação de água, ai eu falo bem, eu vou e te ajudo. Ai eu preciso ir não sei aonde, no consulado alemão, mas eu não sei falar bem o alemão, o alemão, existe uma alemão chamado _____________, que é o alemão falado, ensinado na escola, que é o alemão certo, e depois na rua, em casa, as pessoas falavam os seus dialetos, então, às vezes, as pessoas falavam dialeto e tinham que ir no consulado alemão daqui, que era extremamente antipático, arrogante depois da guerra, porque achava que todo mundo queria a cidadania e, realmente, trataram bastante mal os imigrantes, tenho histórias para contar do consulado alemão terríveis, e do austríaco também, e, então, quem falava um alemão mais certo, dizia “então eu vou com você”, então, existia toda essa ajuda, era bastante acho que hospitaleira, então, isso até entrou na minha tese do mestrado de dizer que a hospitalidade é uma coisa que atemporal, e que se perdeu hoje em dia, bastante, bastante, e que eu penso que é uma coisa que precisa retornar, para se tornar a humanidade mais humanizada, as pessoas mais humanizadas, né, porque você depende do outro, você vê nas situações mais loucas, você não é um individuo que é autossuficiente em tudo, sempre vai te acontecer alguma coisa que você depende do outro, para uma coisa ou para outra.


Pergunta: Essa própria entrevista, né?!


Resposta: É verdade...


Pergunta: E o que você lembra, assim, da sua infância? As brincadeiras ou histórias de ninar mesmo que seus pais contavam. Quais as suas memórias?


Resposta: É... assim, minha mãe era mais chegada, na verdade, nessa parte, porque ela que nos punha para dormir, ela só falou alemão para a gente, porque ela não falava português, nós fomos aprender português quando nós entramos na escola, né, eu e meu irmão estudamos no Externato Santo Antonio, aqui em São Caetano, colégio das freiras, [50´] e ela foi aprender português por intermédio da gente que a gente começou a chegar em casa falando português e lá a gente sofreu para caramba porque ninguém entendia o que a gente falava, a gente chorava à beça, ai um ou outro que sabia um pouco mais, porque isso aconteceu com muitos amigos nossos, né, então quem sabia falar um pouco mais, ia ajudar, de novo a solidariedade, foi ajudar quem não sabia, né, e as freiras já tinham noção que éramos filhos de imigrantes, então elas eram algumas mais cuidadosas, no sentido de tentar entender o que é que a criança queria. E o alemão a gente foi aprendendo já, fora em casa, a gente teve aulas de alemão dentro dessa sociedade que tinha acabado de se formar, a São Miguel, a gente teve professores do instituto Goethe que eram credenciados para dar aula lá dentro para gente, e ai, lá, com esses professores a gente foi aprendendo costumes, cantigas, fora em casa, né, que minha mãe contava histórias infantis, eu tenho toneladas de livros em alemão com todas as histórias dos irmãos Grimm, né, que são os famosos historiadores de histórias infantis, fábulas, então ela contava para gente, cantava, sempre em alemão, e passava também a tradição de Natal, Páscoa e outras festas, aniversário como era comemorado e outras coisas, dia do nome, né, lá é muito importante, era importante antes da guerra, o dia do seu nome, do santo do seu nome, então era uma festa ainda maior do que o aniversário, então, e no aniversário sempre tinha, você podia escolher o bolo que você queria, porque ela era uma exímia doceira, então, os austríacos são bem famosos e os húngaros também, pelos bons doces que eles fazem, e de classe, são tortas, assim, não tem coisa muito fraca, é tudo, né, então ela sempre fazia bastante isso para gente, a gente podia escolher a torta que queria, e era muito gostoso.No natal, tinha a tradição, um pouco diferente daqui, fora a árvore, não era a questão de muito presente não, porque nem tinha muito presente, mas, se esperava, era sempre sábado, por volta de umas sete horas da noite, ai as crianças tinham que ir para uma outra parte da casa, esperar o Saint Nicholaus chegar, que não era o Papai Noel, era um bispo, né, e ele era uma pessoa de muitas posses, isso eles contavam para a gente, que começou a se doar para os pobres, no sentido de ele não gostava dessa muito dessa diferença social muito grande e começou a fazer trabalho caritativo de distribuir, entre aspas, o que ele tinha em forma de presente para as crianças, então a gente tinha a festa do São Nicolau, que era dia seis de dezembro, que era comemorado e a gente recebia do São Nicolau, lá na comunidade católica de São Miguel, então ele vinha vestido de bispo, né, tem até hoje essa festa lá, todo dia seis de dezembro, precisa ver quando ela cai próximo ao final de semana, e ele vinha acompanhado de um tipo de um, não era um duende, não era um bruxo, era um tipo de um diabinho que vinha vestido de preto, com a cara cheia de carvão, um saco grande atrás, e ele andava assim meio de quatro, meio rastejando, e ele tinha uns gravetos na mão que ele ia batendo para as crianças que não tinham sido boazinhas durante o ano, e a gente tremia na base, ai o salão cheio, os pais, os filhos, e tal, ai o São Nicolau abria um livro, senta em cima de um palco, tinha um palco, tinha o teatro, sentava em cima do palco, tinha um livro, o livro grande, dourado, e os pais antes já tinham falado o que as crianças tinham feito de legal, e o que não tinha, ficou com A, não comeu muito bem, a Rosvita não obedeceu, respondeu, o Rodolfo não sei o que, meu irmão, não fez isso, fez aquilo, ai ele chamava por ordem alfabética, e era aquela choradeira, e ai quando vinha uma parte meio negativa, que não comeu, que não sei o que, esse diabinho, que era chamado de __________________, ele está inclusive nas histórias alemãs, ele aparece, ele batia aqueles gravetos no chão, e pulava em volta, e tal e tal, e você ganhava uma varinha de marmelo,lá é de marmelo, aqui é um graveto, e para você levar umas no bumbum, né, e o São Nicolau dava de recompensa um tipo um saco de celofane com coisas que vinham na árvore de natal [55’]:maçã, nozes, um pouco de chocolate, não tinha brinquedo, não tinha nada disso. Então, aquele era o auge, e, no fim, ele sempre pegava algum adulto, que já sabia, né, e enfiava ele no saco pra levar, e o cara ia com as pernas de fora, gritando feito um doido, e ai as crianças, está vendo, se no ano que vem você não ficar bonzinho, ou não comer, era aquela pressão psicológica, você vai parar no saco do _________, então era uma festa que ninguém esquece pela emoção que era é, né, que ela, na verdade, gerava em torno de todo mundo, né, e isso acontecia dia seis e voltava esse Papai Noel nosso, o são Nicolau, voltava no dia 24 ai para deixar algum presentinho pequenininho, a gente escrevia carta, deixava na janela, né, e ele vinha, pegava a carta e ai, dentro do possível, ele deixava embaixo da árvore, a gente tinha que ir para o fundo da casa no sábado, no dia 24, por volta das sete horas ai tocava um sino, às vezes fazia um barulho de corrente, porque o _____________ tinha vindo junto com ele, né, ai você entrava, na árvore estavam acesas todas as velinhas, né, ai a gente tinha que cantar “Noite Feliz”, porque são tudo músicas alemãs, de origem alemã, música do pinheirinho, e tal e tal, ai rezava-se alguma coisa, né, o Pai Nosso, os adultos normalmente conduziam essa parte da cerimônia, ai depois a gente abria os presentes, e ai a gente ia comer, mas era sempre tudo muito cedo, nunca teve nada de, não sei de onde vem a história da ceia da meia-noite lá não é hábito isso daí, até hoje é ainda é uma coisa no fim do dia, você podia ir na missa do galo, se você quisesse, que era meia-noite, acho que por isso que adiantavam tudo isso, né, mas era uma coisa mais simples assim que se comia, não era assim, a festa, na verdade, não era, o foco não era a comida, o foco era a árvore de natal, a confraternização, né, ai vinha a família toda, e cada vez era na cada de um, cada Natal era na casa de um.

Pergunta: ... e todos moravam naquela mesma rua?


Resposta: Todos moravam na Vitória Régia. [risos].


Pergunta: Ah com certeza daí que a minha professora conhece, ela morava na Vitória Régia também.


Resposta: Mas a Vitória Régia é muito longa, ela começa, tipo, no Paço Municipal de Santo André e termina na alameda Tietê, ela é enorme, então ela chega no número, eu morava no número 1098, acho que ela vai até mil duzentos e pouco.

Pergunta: Eu não lembro o número. É... e o que você pode falar um pouquinho agora já passando para a sua adolescência, quais eram as suas saídas, círculos de amigos, tinha bailinho, como que foi essa época?


Resposta: Então, ai foi um período assim, de criança a gente circulou dentro dessa comunidade, né, ai, conforme eu saí do colégio das freiras e fui para a escola, fui para o Américo Brasiliense, em Santo André, onde eu residia, ai a porta abriu para amizades bastante diversas, né, porque, lá, a escola pública, na década de 1970, era de extrema qualidade, eu precisei que prestar um tipo de um vestibularzinho para poder entrar no Américo Brasiliense, porque as vagas eram, assim, concorridíssimas, inclusive de famílias com posse que tinham condições de colocar num Bandeirante, alguma escola em São Paulo de nome, ou talvez, mesmo, na região não tinham tantos, então, o Américo foi uma escola, eu levei bomba, nunca levei bomba na vida, eu entrei no Américo, levei bomba, porque eu saí do colégio das freiras na área já de humanas, peguei bem a passagem para o colegial, no colegial juntou tudo, né, juntou científico, normal e o clássico, que era Letras, o que eu queria seguir, ai tive física, química, biologia, bomba, né, no segundo ano bomba, no primeiro ano ainda deu para levar, no segundo bomba, e lá a gente conheceu todo, ai conheceu gente da comunidade italiana, gente da comunidade espanhola, portuguesa, japonesa, e ai teve toda uma miscigenação de tudo, né, então, também foram anos rebeldes, Woodstock, Beatles, Rolling Stones e The Purple, e não sei o que, então, realmente minha mãe nção teve uma época muito fácil não, com a rebeldia toda, né, principalmente eu, a ovelha negra da família, né, e era meio Rita Lee, tinha um cabelo loiro até a cintura, franja, todo mundo me conhece no Américo até hoje como a Rita Lee, né [risos], então, foi assim, saiu desse, houve um rompimento, na verdade, desses cursos, houve um questionamento de valores, por que que eu tenho que fazer isso, [1’00’] por que que eu tenho que cantar isso, por que que eu tenho que usar isso, por que que eu tenho que usar isso, então começou a haver um confronto, né, e, mais isso por causa do meu temperamento, teve gente que aceitou isso mais fácil, e, então isso foi, até eu terminei o Américo em 1971, ai eu fui fazer faculdade de Turismo na Ibero-americana em São Paulo, ai abriu mais o horizonte, ai eu, na verdade, eu andava muito com os japoneses, foi ai um período da minha época que eu andei quase uma década com uma família japonesa, a família Ito, e comecei agregar ao meu dia a dia a comer de palitinho, comer peixe cru e tudo mais [risos], mas eu sempre fui dada a ser muito curiosa e querer conhecer novas culturas, no seu geral, né, e tive também uma grande amiga que também me ajudou muito, uma judia, em São Paulo, onde eu andava muito, porque eu estudava na Brigadeiro Luiz Antonio, e não tinha essa facilidade, só tinha o trem e o ônibus, não tinha metrô, não tinha nada, né, então parece que a gente está falando de época dinossauricas, mas nem é tão longe assim, né, de 1973 para cá é tempo, mas não é tão longe, e, então, a dificuldade de condução, eu acabei ficando bastante lá, então foi mudando. E, com isso, depois eu me formei em Turismo, e, Turismo, na verdade, era uma área, eu queria trabalhar em planejamento, na Embratur

Acervo Hipermídia de Memórias do ABC - Universidade de São Caetano do Sul